02 outubro 2004

"a pureza que se respira no alto compensa bem a fadiga da ladeira"(bento jesus caraça),disse-me uma vez um amigo a meio de um jantar de sexta-feira, citando de cor o matemático que procurei mais tarde, para perder o medo dos números.

já perdi muitas vezes o fôlego : a correr para comboios, a subir a couraça de lisboa, a galgar degraus dois a dois para não perder o café marcado no bairro alto, a voar para os correios dos aliados para fazer o correio seguir em tempo.

já senti muitas vezes o peso da exaustão, debruçada na minha varanda virada para um pomar de laranjeiras, no interior insuspeito de um quarteirão perto da rotunda da boavista.

e já soube depois abrandar, até conseguir ouvir a pedra da eira na serra da cabreira contar os seus segredos de um dia ao sol.

assim fui percebendo que assistia razão ao meu amigo, ao me avisar que a adivinhada fadiga do caminho não nos deve dissuadir de perseguir a montanha, mesmo sem sabermos se o ar que ali se respira terá o cheiro dos arbustos de aljezur ou das pedras de pitões das júnias.

e também fui percebendo que a fadiga que se abate sobre o corpo à medida que a ladeira se torna mais íngreme ou sinuosa,não pode ser motivo para não repararmos no caminho que se estende até à montanha.

do que se vê apesar da fadiga e por causa dela e do que se respira depois nas alturas, é sobre isso que escreverei aqui.