07 janeiro 2007

café



recebo hoje o teu correio.embora traga saudades do tempo que tentavas responder ao que te perguntava, também leio(acima de tudo ?)o que eu não me escreves a propósito do que me mandas.

a história das bolas de golfe já a tinha ouvido e tenho ideia que já ta tinha contado, mas era com pedras apanhadas à beira do mar. e trazia outro sentido : dizia que cabe sempre mais alguma coisa na vida, desde que o queiramos assim. falava mais da importância de termos noção que há sempre lugar para mais alguma coisa, que cabe sempre mais um (como ouvia dizer em tempos, sobre gente que chegava, inesperada, para jantar e isso era sempre motivo de alegria e de festa).

sabes?, às vezes acho que os nossos coraçães também são assim : há uns amores maiores e outros menores e há ainda sempre algum cantinho onde lhe cabem outras coisas. o facto de caber não significa que se deixe entrar.ou que se impeça de sair.suponho que sei quais são as tuas bolas de golfe, os teus berlindes, a tua areia e o teu café. sei que darás conta deste recado também para ti (ou pretendes assim conseguir, um dia).

só queira que soubesses que tenho tomado muito café, as mais das vezes, sozinha, deliberadamente. embora isso se note, pelos vistos, tanto, que me apontaram hoje, tristemente, no Lais de Guia : então veio só?, que pena! , ao que respondi, de sopetão, ofendida : pena para quem?. mas confesso-te que gostava de lá ter estado contigo. chovia à séria quando saí e lembrei-me de um dia de temporal faz quase um ano daqui a pouco, quase nada.

mas o teu café comigo não tem data marcada. nem terá tão cedo. eu não sou, na tua vida (hoje?), bola de golfe, berlinde, ou areia. pelo que só depois de cumprires tudo o mais, terás tempo para mim. constato que tinhas razão : tenho muito para dar e teu frasco está muito cheio, já estava muito antes de eu lá entrar. e ao contrário do que dizia lobo antunes, nem sempre a nossa capacidade de abarcar aumenta com idade. eu queria ser abarcada pelo teu abraço,sem mais, mas cada vez o espero menos, para não sofrer a dor da espera.

ontem fui à galeria quadrado azul, na miguel bombarda,para ver uma fotografia que me estava reservada - as coisas que nos fazem sair de casa são estranhas; vi no jornal de manhã que a expsoição fechava ontem e alguma coisa me avisou que não podia perder.cheguei a meia hora do fim, ainda a tempo.

desfiei os trinta minutos quase todos em frente à fotografia : uma mulher sentada numa cadeira tricotava a roupa que trazia vestida : a malha feita era um vestido trazido em cima do corpo, moldado à pele e no chão estava um novelo sem um gato.
pensei : penélope com a espera vestida, a fazer tanto parte dela que lhe veste a pele. lembrou-me um quadro da última exposição da paula rego, em serralves, com a mulher sentada numa cadeira, com a pele de lobo vestida; lembrou-me, em espelho, ainda a minha única resolução de ano novo : ser esperada e não esperar.

depois pensei que quem não quer viver à espera não pode entretecer a espera, viver os dias e as noites como um entretém que se cumpre enquanto o mais não chega. um entretém é uma coisa que se tem no entretanto? hoje percebo que algumas das coisas que fiz na minha vida não chegaram sequer a ser entretens ; depois, que não fiz nem fui o tanto que podia ter feito e sido.

mas logo retomo a frase do benedetti (que ainda não me devolveste e que aguardo - pretexto para antecipar o café?) : tengo las manos vacias de tanto dar sin tener /pero las manos son mías. sabes? quem espera, às vezes, esquece-se disto : que as mãos estão cheias antes até de chegar quem se espera; e que não ficam vazias ( porque ficam conosco) quando quem cá esteve brevemente (mesmo depois de tão esperado) se vai embora.

depois lembrei-me ainda da demorada, dolorosa e importante conversa de dois dias antes, com aquele amigo que me apresentou wim mertens há muitos anos atrás. disse-lhe, a dada altura, que era importante tornar-se a espera produtiva, fazer-se no tempo em que estamos sós, mais do que só esperar, fazer-se mais do teia que nos proteja do frio, fazer-se de nós coisa que valha a pena correr-se para e com muita muita pressa, toda a vontade.

tanta coisa para só isto : para te dizer que, quando a tua vida permitir e a minha vida também, terei todo o gosto de tomar café contigo.sempre sabendo que há bebidas amargas que nos incendeiam o coração. sempre sabendo que dificilmente terás tempo para esse café para breve, por as bolas de golfe, os berlindes e areia dentro do frasco te levarem quase todo o tempo que de dispões. mas promete-me uma coisa : que, em tendo tempo, tomarás, pelo menos, café contigo mesmo, breve que seja, num sítio bonito a cheirar a mar ou ao monte, onde se oiça a chuva ou o barulho das árvores ; e que evocarás então daniel faria e todos os outros que tive o gosto de te sublinhar, arrogantemente, como se esquecesse que leste muito mais que eu. e que serás, também então, pelo menos durante o tempo que te leve esse café, tremendamente feliz.

um beijo e um abraço com ternura e amizade.

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