14 abril 2009

mondar

Il a mis le café
Dans la tasse
Il a mis le lait
Dans la tasse de café
Il a mis le sucre
Dans le café au lait
Avec la petite cuiller
Il a tourné
Il a bu le café au lait
Et il a reposé la tasse
Sans me parler
Il a allumé
Une cigarette
Il a fait des ronds
Avec la fumée
Il a mis les cendres
Dans le cendrier
Sans me parler
Sans me regarder
Il s’est levé
Il a mis
Son chapeau sur sa tête
Il a mis
Son manteau de pluie
Parce qu’il pleuvait
Et il est parti
Sous la pluie
Sans une parole
Sans me regarder
Et moi j’ai pris
Ma tête dans ma main
Et j’ai pleuré.

Jacques PRÉVERT, Paroles (1945)©1972 Editions Gallimard

este poema tinha fugido do livro, porque temia ser lido e servir de aviso, de legenda para fotografia adivinhada, para passado alheio, para futuro temido. dias depois, ouvi-o com um sotaque antigo de quem aprendeu francês nos livros e depois o foi rever a paris.

não serei eu quem segura a cabeça pesada, pousada nas mãos vazias, disse, decidida. depois pensei : este verso podiam dizer-to, há tempos atrás? ou podias sublinhá-lo tu, ainda hoje, mudando-lhe o género? e quem serás hoje, mais quem olha ou mais quem se vai, sem uma palavra sequer?esperas ou és esperado?

como posso eu compreender que alguém se deixe ficar a chorar depois deste pedaço de filme mudo e a ele regresse, todas as manhãs? são precisos dois para dançar o tango; são precisos dois para sofrer assim : quem faz os gestos como estivesse só, ao espelho e quem a eles assiste como se aceitasse a solidão imposta, remetendo-se a uma secreta esperança de que será diversa a manhã seguinte, embora nada fazendo para isso.

deste lado da rua, convido-te para um café na madrugada, ouves daí?, já está escolhida a música da dança da manhã, respigada a poesia da estante e sussurada ao ouvido já na saída ou dita secretamente para a caixinha dos recados; deste lado da rua sabes o que te espera; e quando tardas e quando não vens ou quando te vais sempre demasiado cedo, sou eu quem chora silente, não como a mulher do verso, mas por a felicidade ser tão intermitente e tão fugaz, saber sempre a tão pouco, ainda assim contente e comovida com a alegria que tanto promete a migalha do pão da manhã. é muito diverso aqui o café da manhã; agrada-te? que farás para doravante o tomarmos juntos todos os dias, no novo jardim, saídos da cama, os pés nús no chão gelado?

não gostas de leite sequer. e o café leva contigo o acúçar primeiro.comigo, aprendeste que não se mexe o café alheio, cada um sabe do seu, como o prefere mais doce ou o aguenta mais amargo.há quem beba o café amargo, para assim circunscrever a amargura do dia logo cedo.

mas pergunto-te pelo café da manhã da música do chico, onde se berra compassadamente
"eu quero que você venha comigo". quando será teu também este verso, cumprido em cheio?

a gata cansada de perseguir melros na laranjeira toda a manhã, debaixo da chuva, dorme no meu braço esquerdo. da outra sala ecoa música" a eternidade e um dia", de eleni karaindrou (será este o tempo da espera?) já sei a música quase de cor, amanhã vou conhecer o filme, temo que fique aquém do que o sonhei dentro da minha cabeça, ao ouvir a música de avanço, anos antes.

há muitas flores semeadas pelas jarras da casa, trouxe a primavera para dentro de todo este papel. agora a estrada corre nas minhas costas, em vez de advir da esquerda, como a luz. pode ser que assim me concentre em escrever escrever escrever desenhar garatujar escrever desenhar fotografar escrever escrever mondar mondar escrever de novo, não olhes para o caminho, monda teu milho bem, para que cresça de folha larga. e tu, mondarás também, para que o teu milho cresça como o queres?

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