12 outubro 2016

o que um quadro faz


tenho deitado mais os olhos à pintura do que o costume. talvez porque a fotografia me relembre a minha incapacidade para o desenho, talvez porque a pintura seja a fotografia sobreposta de vários dias e várias noites, meses a fio, reagindo a livros, a gente, a música, à temperatura, às horas de sol do dia. este quadro de almada negreiros, a par do "femme au mirroir" e "o pintor e a modelo", de picasso, trazem-me a pensar, pela acabada síntese que fazem de tanta coisa: do que é um amor que partilha mesa, pintura, uma fímbria de luz, livros lidos a par e o mais; do que é uma forma de estar na vida, a daquela mulher sentada no chão, a varanda nas costas, um vaso por companhia, a olhar com melancolia e serenidade a vertigem dos dias, ainda assim; do que é uma postura metodológica perante tanta coisa - quem fotografa, lê, desenha, ou o mais a preservar ou não a distância perante o que fotografa, lê e o mais. ficar sempre a pensar se os pés do pintor e da modelo se tocam por detrás do cavalete que esconde a resposta. e porque é a mulher que é pintada e o homem o pintor. e andar nisto há anos já. um dia escrevo um argumento para um documentário, como uma sequência de quadros e de fotografias e de livros e de músicas. o que lhe chamar? "mulher em construção".

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