saltos altos
é raro pôr um par de saltos :pu-los no funeral do meu
pai, tal como o vira pôr gravata no funeral dos meus avós, ele que deixara de
as usar a 26 de abril de 74; pu-los no casamento da minha amiga mais alta mas
nem assim lhe cheguei, e pu-los duas ou três vezes nos 5 dias de férias do
verão passado, umas sandálias de borracha que me lembraram que havia um par de
pés bonitos dentro das botas de obra que enchera de cimento e lama numa obra
que eu cá sei (embora agora não se note nada, nem na obra, nem nas botas, que
as lavei).
não preciso da altura que os saltos me acrescentam, nem
da elegância que (não) me conferem, nem servem para me levantar a moral, nem
mesmo nos dias que começam com alguém a querer-nos sentir mais baixas do que
somos. a vantagem séria de um par de saltos é o facto de poderem ser um arma de
arremesso ou de ataque. mas não preciso deles nos pés.
o video termina de uma forma curiosa : se tirarmos os
saltos talvez possamos começar a correr. talvez seja por isso que se transmite
a ideia que é importante que as mulheres usem saltos em nome da elegância,
quando afinal talvez objectivo seja o de as fazerem correrem menos, seja quando
fogem, seja quando perseguem quem que fugir.
não quero que o momento alto dos meus dias seja aquele em
que desço de um par de saltos que me aperta os pés e me constrange a voz. deve
ser por isso que mesmo que só queira, de momento, andar, traga sempre nos pés
sapatos, botas ou sapatilhas com que posso deitar a correr : a correr daqui
para fora, a fazer correr na minha frente quem, nem com saltos, fique crescido,
a fugir de quem por muito que corra nunca na vida me apanhará.
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