07 junho 2017

árvore, caroço, seiva.







ao volante, nos oitocentos quilómetros de ida e de retorno numa viagem para sul, pensei que os hectares de terra a monte, há mais de trinta anos, perto da lousã, deveriam ser uma escolha e não encargo. pensei que se pode plantar árvores, zelar-se por elas, e deixá-las medrar, sem pressa, como quem deixa que o tempo faça as pessoas, as frutas, o vinho. como diz um amigo velho para lá do marão, "metade do sabor é o tempo que o faz nas coisas já depois quando estão fora da árvore que a deu". pode começar-se uma coisa e deixá-la a fazer-se por si, mesmo quando implica atenções, cuidados, consumições. pode ser-se mútiplo, não se estar inteiramente num só livro, numa só terra, num só coração. à conta disso, ando há anos multiplicada (ou dividida?) numa vida dupla, entre uma profissão e um doutoramento. pela falta desta terceira via, talvez nunca inteiramente nem num lado, nem no outro - sempre com razão aquele senhor me repetiu várias vezes que há sempre três questões, repetindo hegel, marx e os seguintes. depois pensei no que será plantar-se uma árvore, um pomar, até parecer um mar imenso, e enfrentar-se uma obra acabada de começar e saber-se que nunca se verá a obra sequer começada deveras, a ponto que se note, ou que se verá, quando muito,
a meio, mas nunca finda, de forma inteira. as obras que sabemos que vamos deixar por terminar fazem-nos todos os dias, lembram-nos o quanto nos trazemos pela metade e isso poderá ser mote que nos move, em vez de verso que nos derrota. penso numa torre de planta circular, com janelas aos quatro ventos, que serve de miradouro para ver a evolução de uma obra, para se lembrar que uma obra inacabada nos ergue do chão até ao último dia, para termos noção da importância do contributo de todas as pedras na construção de um todo. tal como um livro numa biblioteca.




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