22 junho 2005

uma piscina inteirinha

a piscina hoje aparecia mais vasta que o mar da apúlia, em hora de maré vaza e sem sargaço.encostei-me à parede, dentro de água, aninhei-me, repeti-me o que já me dissera tantas vezes - não há-de ser isto que vais deixar por fazer.

as janelas voltadas para o jardim interior,com árvores da borracha, estavam abertas para trás, às escancaras, e assim deixavam que a minha pressa em fazer uma piscina inteirinha, em crawl, sem parar, sem parar, se visse das outras salas, onde se levantavam pesos e se davam pontapés no ar.

que pressa?, medo. não de ir ao fundo, que me ensinaram a bater com os pés no chão para voltar à superficie, levando a boca cerrada, com força, na descida; que aprendi a ficar estendida à superficie, a boiar como uma folha leve,como uma garrafa com recado dentro, a respirar serenamente.

medo de falhar,de deixar as más memórias da água levarem a melhor. antes medo de um mar assim contido poder mais que eu, medo de a descoordenação de movimentos me fazer continuar a nadar de costas para o destino, como acontece sempre nas viagens que faço contrariada. medo de não ser capaz de dar uma ordem a uma perna e a outra, para baterem sem parar e manter essa ordem cumprida, ao mesmo tempo que se diz ao corpo para respirar antes de arfar e entretanto, nesse movimento, com a serenidade de quem não quer gastar toda a energia numa braçada só, rodar os braços, passando sempre por uma posição de quietude, algures ali pelo meio. parece simples, descrito assim. quase tão simples como os movimentos feitos de pé, em seco, graciosamente, em jeito de dança, pelo professor ruivo, incansável, tão casmurro como nós.

pousei a placa azul e branca na berma da piscina e sorri, para afastar que as borboletas que batiam asas, a toda a força, na barriga. estendi os braços para a frente, enchi o peito de ar, atirei-me de rompante, empurrando a parede com força, como se a quisesse mover e depois fui mandando o corpo mexer-se, primeiro por partes, depois como um todo. de repente, a piscina acabara e a placa azul e branca ficara do outro lado do mar.

ali ao lado, a minha irmã caçula também se estreava numa piscina inteirinha vencida em crawl. nunca um compagnon de route me fizera tanta diferença.




“tarde em itapoã”, toquinho e paulinho da viola. lua quase cheia numa varanda voltada a sul.

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