04 julho 2005

"i do not know what tomorrow will bring"

quando fiz vinte anos, marquei três objectivos para os trinta : saber conduzir,saber nadar e ter terminado o curso.

coisas simples e pequenas, não fora ter tido um valente acidente de carro anos antes, de que me lembro de cada vez que olho para o espelho; não fora ter-me quase afogado, por duas vezes, uma vez ainda catraia, outra já mulher feita; não fora terem-me desafiado para ir fazer fotografia e escrever, escrever, escrever, ainda o curso de direito não tinha mostrado o que podia fazer por mim e ainda andava eu longe de imaginar o que faria dele.por tudo isto, cada uma destas coisas pequenas era uma empresa séria.

primeiro, aprendi a conduzir e é hoje das coisas que faço com mais gozo, a toda a pressa ou distraídamente devagar.

depois, o curso ganhou lanço e compaginou-se com outros amores, paixões e desamores. era janeiro e chovia e, de cabeça, mergulhei num dos exames orais mais exigentes de que guardei memória – soube que não me deram nada, fui eu que tirei. lá fora, com um grande ramo de cravos e rosas, esperavam-me os pais e os amigos que lá tinham estado sempre e que, na sua maioria, ainda cá estão hoje.

mas faltava menos de meio ano para hoje e ainda não sabia nadar.em março,ainda chovia, fui-me inscrever num ginásio, risonha, para afastar vergonha e medo; comprei fato de banho e touca pretos, para parecer mais séria e esguia, uns óculos cor da água para destoar tanta seriedade e umas sapatilhas transparentes, a lembrarem as sandálias de plástico de quem andava aos mexilhões nas rochas escorregadias da praia das pedrinhas, na apúlia. aprendi a nadar e dou hoje comigo a prescindir do almoço, a apressar reuniões, que a aula começa daí a nada e não quero perder de aprender.
e à custa da natação, retomei a modéstia olhar,sem pressa, para quem sabe, para perceber como se faz ; recuperei a capacidade de decompor movimentos complexos em gestos simples, mais fáceis de superar.e ganhei a coragem das crianças - atirar-me de cabeça, depois logo se vê, o mais que virá poderá ser uma dor física, uma mazela ou outra, um pé esfolado, um braço dorido, uma água engolida por engano. é engraçado como se deixa de ter medo da dor física, por se saber que dói muito mais a dor do coração.

obra feita, que quererei fazer até aos quarenta? sei que dizer “I do not know what tomorrow will bring” é motivo primeiro para não se estar cá quando o dia acordar. sei o que já trago comigo. durmo sem medo.


"escada sem corrimão", camané canta david mourão ferreira.

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