20 maio 2007

"há quanto tempo não recebe flores?"

Só uma coisa me entristece
O beijo de amor que não roubei
A jura secreta que não fiz
A briga de amor que não causei
Nada do que posso me alucina
Tanto quanto o que não fiz
Nada do que eu quero me suprime
De que por não saber ainda não quis
Só uma palavra me devora
Aquela que meu coração não diz
Só o que me cega, o que me faz infeliz
É o brilho do olhar que não sofri

jura secreta, canta Simone, escrevem Sueli Costa e Abel Silva.


a semana começara com chico e caetano a gritarem-me, um dia inteiro "é inútil dormir que a dor não passa". sei que não passa, mas a dada altura o cansaço torna quase impossível arrastar as pernas e a cabeça pesada, cada vez mais pesada, apesar de cada passo a tentar esvaziar de quem persisto trazer no coração.

agora durmo e não me lembro sequer se sonhei. a dor com que acordo é igual àquela com que me deito e começo a adiar outra vez a hora de me confiar à cama vasta, por saber que vai ser igual o acordar.

hoje reguei as flores da varanda, apesar de estar a ameaçar chuva desde manhã. estes dias cinzentos também secam a terra. e "tudo pode acontecer, uma nuvem cheia não chover".

já fez um ano que me disseram que trazia cara de quem falhava flores e amores. hoje trago floridas, na varanda, uma sardinheira rosa garrido e uma gerbera rosa pardo; e a aguentarem-se, apesar da minha distracção e esquecimento, um vaso com salsa, outro com alecrim e com um cacto que mudou de côr. e ontem recolhi uma begónia matizada de laranja de um horto perto do mar, para a confiar a um vaso vermelho sangue. nem nas flores sei ser discreta. mas também já não importa. e como me disseram que a planta precisa de luz, embora não de sol directo, talvez assim traga mais vezes a casa longe da escuridão. há flores que fazem as vezes dos cães que se levam à rua.

relembro umas linhas de almada negreiros sobre uma menina que falava com as flores. e dou comigo a já não falar sozinha, mas às flores que me aturam as mágoas - quando, na manhã, ainda de pijama e descalça, me sento na cadeira de lona da varanda, a dar de beber à sede e quando à noite, já sentada no chão, faço de conta que não mas procuro no céu a estrela que ali subiu e que me protege e me dá um abraço, um abraço, um abraço e manda este frio todo para longe, tão longe que não saiba onde o perdi. e numa hora e noutra, leio às flores versos alheios e cartas minhas. as flores não respondem, mas se não gostassem já tinham morrido. à troca, respigo-lhes as folhas secas e as flores murchas e deito-lhes a água do chá da noite e as borras do café da manhã.

esta manhã decidi que vou a buenos aires, cumprir uma viagem alheia que passará também a ser minha. devo ter quem cá venha regar as flores, enquanto vou ver se encontro quem me sussure "eu quero que você venha comigo", quem roube e me confie amores-perfeitos dos canteiros do jardim do palácio de cristal , urze da beira da estrada e malmequeres dos prados de estremoz, quem tenha sempre fome de mim, quem tenha, à séria, de forma definitiva, mais coragem que medo, para ficar a vida inteira (seja lá isso o que for, dure lá o que durar).


pedro sena-lino "livro de albas, zona de perda".
caetano e chico juntos e ao vivo, "bom conselho".

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