30 novembro 2004

deixar ficar recado

foi com dor e trabalho que aprendi a falar ao telefone,para disfarçar olheiras, telhas e uma idade menor à que a voz transaparece. aprendi a franzir o sobrolho e a rir-me também enquanto falo e enquanto me calo.e depois não resisto a ter uma caneta na mão e a escrever sobre o que me dizem ao que pergunto. ou a escrever outra coisa que me distraia do que me dizem e de que não gosto.ou a desenhar, como se os meus desenhos fosssem alguma vez mais alguma coisa do que frases que desenhei com minha melhor caligrafia e ainda assim sairam, como sempre,um grande,grande emaranhado.desemaranhar é libertar do mar?

depois,houve uma altura que ouvir alguém ao telefone era como se tivesse alguém a fazer rádio só para mim.essa altura vai longe.

hoje espero que me respondam aos recados que deixo, que me digam que a caixa das mensagens transbordou, com tanta pressa em dizer "chega de saudade".há dias, a medo mas a rir, confessaram-me que transcreviam os recados que eu deixava, como se assim, quando a gravação desaparece,o recado breve passasse a ser quase uma carta que se saboreia mais longamente.

na madrugada - a lua cheia, a insónia toda e o laranjal sem cheiro porque é inverno - dou comigo a ouvir continuamente um doce lamúrio de quem diz que nunca mais é dia de ir comer peixe outra vez à margem sul, que nunca mais está sol que chegue no porto que conceda viagens debaixo do inverno, que me deixa ficar um abraço, um abraço, um abraço, um abraço, que me rodeia e me segura à medida que se repete. pudesse eu, ficava a vida toda a ouvir um recado assim.se mo deixasse.

"encontros e despedidas", maria rita que perdi no coliseu.


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