04 novembro 2004

felicidade

chovia que se fartava.éramos três sentados à mesa,num restaurante que antes era uma casa de fotografia,a música saía de dentro de um armário com rede de de capoeiro.a garrafa de vinho estava quase vazia,mas não foi dela que saiu a história contada à laia de piada.falava de um homem que comprava sempre os sapatos um número abaixo do tamanho do seu pé - assim, chegado a casa,ao fim do dia,ao sentar-se na berma do sofá e ao libertar-se do aperto,tinha garantido um momento de felicidade.ri-me despudoradamente.lembrei-me de ter andado,manhã nascida,de vestido comprido com sapatos finos pela mão,a tentar equilibrar-me no lancil sempre estreito do passeio.e lembrei-me de um arquitecto tonto,menino sempre ensonado,que conduzia um mercedes imenso,com quem anos antes,falara horas perdidas à luz dos trocos:confessava então que se descalçava para poder desenhar.adivinhei-o empoleirado na cadeira,os pés nús bem longe de chegarem ao chão,a balouçarem no vazio,como se a cadeira fosse assim um parapeito de uma janela virada ao rio em lisboa,a dobra de um muro alto em mértola,com figueiras retorcidas em baixo ou o limite da última tábua que range no porto palafita da carrasqueira,o sado azul logo ali.



1 Comments:

Blogger Michel de Garcia said...

Bom, vim aqui parar a conselho de uma amiga, e em boa hora que o segui.
Muito bons os teus textos.
Têm um sabor muito peculiar.
Bom fim de semana

2:31 da tarde  

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