27 dezembro 2004

"provavelmente nada disto se passou aqui"

andamos longe e a prometermo-nos um encontro mais demorado sempre para a vez seguinte. lembrava a tira do calvin no jornal, que a contragosto deixei para trás, que o futuro está sempre a transformar-se em presente. não me importava que assim fosse, se isso o trouxesse aqui.

soube agora, aninhada na varanda,como se mais perto do chão,estivesse mais protegida do frio, que não se lembra das mesmas deixas que eu, que o que não esteja escrito em cartas não lhe parece tão nítido, que as datas se baralham todas e ainda que cada dia podia ser tomado isoladamente, cada frase podia ter sido dita sem que a tivessem antecidido as demais - como se a memória não fosse importante ou não fizesse diferença. e assim estivessemos sempre na estaca zero, como se cada dia fosse o primeiro, como se nunca tivessemos estado ali anos antes.

e foi assim que senti na pele uma linha que li num livro que me pousaram no colo e que me fez atravessar, mais docemente, quase incólume, as festas dos cristãos. nesse livro, josé antónio marina escreve,a páginas tantas, sobre as acumulações exteriores de memória, sobre os depósitos de informação que criámos fora de nós e sobre a diferença que isso nos faz nos processos de decisão.

é por não se lembrar de onde pousou os óculos e as cartas escritas, que não se decide a meter pés ao caminho, debaixo do frio e acima do sono?,até ao umbral da minha porta, até mais perto da cabeceira da minha cama? é por isso? temo que não.



“teoria da inteligência criadora”, josé antónio marina, edições "caminho da ciência".

17 dezembro 2004

champagne

há semanas que trazia uma garrafa de champagne no frigorífico.era terça-feira e reunião ia demorada,invadia a hora do jantar.a menina dos desenhos irrompeu na sala e disse,sorriso rasgado,"o presidente Sampaio decidiu dissolver a Assembleia!".quando cheguei a acasa, antecipei a passagem de ano e conclui que afinal havia um motivo para espera que dei à garrafa.na varanda e desprezando o frio,festejava - quase parecia noite de eleições,de resoluções de ano novo e de todas as promessas,como no início de uma caderno novo ou de um novo amor.

"e depois do adeus",paulo de carvalho.