07 junho 2012

era um amor assim



eu sei podias sublinhar esta letra de fio a pavio.sei que ouvirias a música e que te sorririas e que te agradaria o clarinete, a voz sussurrada, os nomes dos cães tão diferentes dos nossos. não tarda nada vem aí a neta, para lhe poderes trocar o nome e lhe chamares o de uma de nós ou de uma das gatas lá de casa, que a culpa é daquele senhor alemão de que não me lembro o nome que me leva os sítios das coisas.é mais uma rapariga, pai, não vai ser fácil, mais uma mulher cá em casa, todas a reclamar, todas muito cientes de si, foi assim que nos ensinaste, vai ser bonito, merecias ver, vais ver. o pedro que ainda falta será para depois, ainda virá? laura, como a laureen bacall, os nomes faziam-te evocar estrelas do cinema quando ainda era a preto e branco, escritoras do tempo dos livros de bolso comprados à socapa e lidos clandestinamente, com capas de papel pardo para afastar abelhudos, dizias com gozo. sei o quanto também tinhas sempre os pés quentes e ias para a cama mais tarde, madrugada já, e a mulher com os pés frios como um calhau do rio. sei o quanto, apesar de tudo, mesmo antecipando que te irias embora mais cedo, voltarias a meter conversa com aquela miúda que abria nozes a murro e tinha passo lesto e o quanto terias feito tudo na mesma assim, novamente.
eu sei. sabemos todos. a sabedoria não faz com que a saudade crescente doa menos. mas faz-nos sentir mais próximos uns dos outros. no outro dia fui ouvir este senhor nas quintas de leitura, ao campo alegre. terias gostado. anda a rodopiar por aqui há dias, umas vezes dá vontade de dançar, outras dá para navegar no mar que se chora por tudo que traz dentro. mas, de uma forma ou de outra, acabo sempre por sorrir, como agora, dizendo-te que, ainda que tendo sido muito desastrada, tendo chegado tarde, tendo falhado muito, que também fazia tudo novamente, mas tentando falhar melhor."melhores dias virão".

quinto, antónio zambujo.
escrever no estirador como se desenhasse. candeeiro fase, com uma risquinha de luz no metal branco.