01 agosto 2007

meu lugar

uma menina de olhos azuis dizia-me que sabia ocupar o seu lugar. e sabia-o, de facto. mas ainda não se concedeu ocupar o lugar que tanto merece.

depois, respiguei de "o livro do joaquim",de daniel faria, que me ofereceste sem saber, um verso que dizia"não acredito que cada um tenha o seu lugar.acredito que cada um é um lugar para os outros.",

e lembrei-me então dos versos lidos com a primeira voz da manhã, para a caixa de recados, "antes de um lugar há o seu nome".

há muito que levo sempre comigo este livro quando vou de viagem - como se qualquer destino fosse certo para receber estas linhas lidas lá, como se em cada viagem não nos devessemos perder da casa e do cheiro dos livros que deixámos para trás e, ao mesmo tempo, levássemos conosco um livro primeiro, para inaugurar uma outra biblioteca noutro lado, do começo. um livro primeiro como uma primeira pedra.

dei comigo a pensar e a dizer que, se cada um de nós é um lugar para outro (como o sabia já saramago, que escreveu a pilar, na dedicatória deum livro, "a pilar, minha casa"), se antes de chegarmos a um lugar há o nome desse lugar, então servem os nomes para se chamarem pelos lugares, para que os lugares nos respondam, para que abram suas portas e seus abraços para os receberem, para nos rodearem.

a ladeira que se nos oferece debaixo do sol que rebentou hoje o verão, não será mais um espaço entre um lugar e outro, como bocados de geografia, será antes o caminho que vai do meu nome ao teu, do meu corpo ao teu, dos meus versos, dos meus livros,das minhas fotografias, da minha música, ao que é teu.

poderemos já dizer ambos, tu encerras-me em ti, cada um de nós é lugar do outro, estando em ti estarei em casa. nomeio-te "meu lugar" e sei que te darás por este nome. ouvi-lo-ei de ti e da mesma forma te responderei. meu lugar, meu lugar, meu lugar, ouves-me daí?

agora chamarei teu nome e não o repito como se repetisse o nome do destino,para não o perder (como lista de recados para aviar, como lengalenga para saber caminho de cor); agora digo teu nome e há um lugar que faz caminho e se move, e a voz que te chama meu lugar é o fio de ariadne para que não nos percamos na escuridão e no medo.

já não é verdadeiro o verso de al berto, que sibilava, num choro, "duvido que alguma vez me visite a felicidade". espero-te, para então abrir minha mão esquerda e mostrar-te a pedra que arranquei do coração, para fazer espreitar para dentro do meu peito, fazer ver o coração de boi que ali nasceu e se agiganta, a cada passo, temendo apenas não ser grande que chegue para abarcar o quanto gosto de ti.



"a casa e o cheiro dos livros", maria do rosário pedreira, edições gótica, pag.27.
"o livro do joaquim", daniel faria, edições quasi, págs. 30 e 31.
"uma casa no campo",cantada por elis regina, http://www.mpbnet.com.br/musicos/elis.regina/letras/casa_no_campo.htm