22 junho 2006

pomar das laranjeiras na margem esquerda do mondego

jurarei
eterno amor
saudades
a vida inteira
ao nascer do sol
ao pomar das laranjeiras

e se o dia
não vier
voltarei
de qualquer maneira
só para te ver
no pomar das laranjeiras

é tão grande
o meu amor
foi assim
logo a primeira
só será maior
no pomar das laranjeiras

o pomar das laranjeiras,
de pedro ayres magalhães, in existir.


adivinho que me espera um demorado passeio entre limoeiros.
sabes?,deves saber,mãe,és tão sábia,mais triste do que nunca se encontrar a metade da nossa laranja,é encontrar-se a metade exacta,boca metade,conversa metade,silêncio metade e essa metade ir-se embora.ou não poder ficar conosco.ou não saber como ficar.ou não caber aqui. ou não cabermos nós.

queria ser do tamanho de uma noz, como na música daquele senhor de olhos negros tristes, tristes, que diz "quando eu for grande, quero ser do tamanho de uma noz, para poder então caber na mão de cada um de vós".eu queria ser pequenina, pequenina mesmo, para poder andar escondida na palma de uma mão,para caber entre as folhas de um livro, para passar discreta na almofada.mas eu sei,já te oiço, até as coisas pequenas se vêem, às vezes, mais depressa até que as imensas.mas queria ser pequenina,mesmo assim.

tantas vezes me lembro da carta em escrita em papel rectangular,muito estreito, linhas castanhas, tinta permanente azul de caneta parker,que encontrei uma vez na garagem eternamente desarrumada (como memória de que não nos queremos livrar, ainda seja que má),carta que endereçaste àquele senhor (que veio a ser meu pai e que só há um ano, quando sem óculos,muito de perto, vi que tinha os olhos da cor dos meus, quando o sol brilha à séria, como helena que sou),carta em que perguntavas, numa letra impossível, semelhante à minha,vejo hoje,"que me falta a mim para poder ser a sua mulher,ser a mãe dos seus filhos?"

lembro-me de, na altura,ter estranhado o tratamento por você e que tivesses escrito uma carta com uma pergunta daquelas.nesse dia,não sabia que seria também essa a minha sina,escrever sempre muito aos homens da minha vida,sem nunca esperar que me respondessem de volta.a diferença entre nós é qu escreveste a carta a este homem e ficaste com ele.e certamente nunca escreveste mais nenhuma.

desta vez, mãe, as cartas não foram (só)na despedida,foram o começo.e sabes,mãe, é estranho, pela primeira vez não tiveram medo desta menina que escreve,desta menina que fica sempre mais confortável no papel do que a falar; desta vez, foi precisamente por escrever que se aproximaram de mim e, uma vez aqui, não fugiram. mas o escrever não faz as pessoas ficarem conosco,sei-o de há muito.

passa das oito da noite e não tenho vontade ir para casa, mas gostava de ir deitar a minha cabeça no teu colo, dizer-te que não queria que fizesses perguntas, nem sequer que te fizeram?, queria só que me desses um beijo, que descobrisses o que já sei que te escondo só porque fazes de conta que não vês,que me deixasses deitar a minha cabeça sempre pesada no teu colo redondo, mesmo magro e me passasses a mão pelo cabelo e me dissesses que não foi nada, ninguém viu,que vai deixar de doer, que cantar mesmo que desafinada músicas que ninguém reconhece ajuda a desfazer o nó que trago dentro da garganta (que não deixa passar nem comida nem sair palavra ou gargalhada sonora, delatora da minha chegada a qualquer lado).queria me dissesses que sim,mesmo que mentisses, que estes olhos verdes hão-de olhar outra vez a metade da laranja que encontrei ou que me encontrou a mim,ou que um dia destes, quando menos esperar, vou acordar de manhã, lembrando-me primeiro do verso de benedetti que me disseste tantas vezes, antes até de o conheceres, as minhas mãos vazias são minhas e estão reservadas para quem as venha encher,demoradamente.e se não for esta metade da laranja que perco agora,a metade que o seja mesmo, porque fique comigo.deixas? não queria subir sozinha tão íngreme ladeira.