10 junho 2016

coração-de-boi

pudéramos tirar o coração do peito e o passá-lo para trás das costas, para fora de nós, onde não o veja quem nos olha - porque deixando de ribombar de fúria ou de felicidade não nos denuncia  - , e leváramos os dias de forma mais contida, acertada, domada, por menos transparente? contar de dez para zero, respirando fundo entre cada número também costuma ajudar, mas deixa quem nos olha e quem nos ouve impaciente e a  pensar que a pausa que nos põe a falar com o coração (a dizer-lhe : abranda, não latejes, não saias pela boca, não me rebentes na mão) ou é premeditação quase assustadora de uma ameaça para levar a sério ou faz esperar uma frase esmerada como um verso. e, no entanto, e o que tem sido mais frequente, essa ponderação dirigida ao coração pode só gerar um silêncio que, de tão denso, consegue medir-se e pesar-se em pacotinhos de quarto de quilo, como me diziam em ganapa que se podia medir o amor.pudera pôr-se o coração para trás das costas e a coisa resolvia-se. mas é um coração-de-boi e notava-se muito.