15 abril 2008

vento

Está hoje um dia de vento e eu gosto do vento
O vento tem entrado nos meus versos de todas as maneiras e
só entram nos meus versos as coisas de que gosto
O vento das árvores o vento dos cabelos
o vento do inverno o vento do verão
O vento é o melhor veículo que conheço
Só ele traz o perfume das flores só ele traz
a música que jaz à beira-mar em agosto
Mas só hoje soube o verdadeiro valor do vento
O vento actualmente vale oitenta escudos
Partiu-se o vidro grande da janela do meu quarto

ruy belo, o valor do vento.
(em edição gratuita ao balcão da fnac.)

acordei com o vento a meio da noite, abriu de sopetão uma janela da sala.andei pela casa, que parecia surpreendida por me ver ali, a desoras, a percorrê-la na escuridão. fechei a janela, depois de deixar o vento entrar e sair. hoje, quando me levantei, vi os livros que tirou da estante, da mesa e do chão, a música que andou a ouvir. soube então quem o vento trouxe de visita esta noite e se deixou ficar escondido, mesmo quando julguei que fora embora, de novo. havia um rosa desfolhada em cima de um livro e uma luz amarela, de cinema, a abraçá-los a ambos. há pessoas que nos entram pela vida adentro e depois nos acompanham até ao nosso fim.volta não volta, lembram-nos que nunca se vai mesmo embora quem queremos e nos quer tão bem. às vezes, penso no mote de gonçalo m.tavares : " a moral do vento é outra, e está toda no modo como ele toca na água: faz o que tem a fazer e parte." talvez nem sempre parta quem já fez o que tinha a fazer; talvez o trabalho do vento (tal como o das mulheres) nunca tenha fim.


a rosa do mundo, assírio & alvim.
o inferno, de dante.
terra de abrigo, ronda dos quatro caminhos.
maria rita, de maria rita.
a moral do vento : ensaio sobre o corpo em gonçalo m. tavares, de pedro eiras, editorial caminho.