23 agosto 2005

de battre mon coeur s'est arreté

há um homem que volta tocar piano depois de 10 anos de silêncio público e ensaios solitários.age como um marginal,sem medo de partir nas mãos num murro mais certeiro, nos acertos de contas encomendados.tamborila os dedos em cima do balcão de um bar e na circunferência do volante de um carro, cuja cor já esqueci.é de bach a peça que toca insistentemente,debaixo do ouvido e do olhar de uma asiática,que lhe mostra os movimentos da doçura,da raiva ponderada,da fuga premeditada.depois de desistir da audição por convite que serviu de trama à história,acaba com as pautas da sonata debaixo do braço e com os headphones a debitarem música electrónica e a fazerem eco do ribombar do coração.uns metros à frente na bobine do filme,o coração sustenta-se, fica suspenso no ar,quase a sair-lhe pela boca, quando se depara com pai morto, estendido no chão da sala de sua casa. acaba agente da pianista asiática que lhe dera as aulas de piano até à audição e deixa-a subir ao palco sem as pautas das peças que vai tocar,por se ter perdido no átrio do teatro, antes do concerto, a resistir a matar o assassino do pai - o seu coração aprendera a bater antes por um amor vivo.

passava as quatro da manhã quando me estendi na cama.percebi o quanto cabe dentro de bach e como o coração se pode sentir na boca,quando sentimos que bate sozinho por quem trazemos dentro da cabeça.queria aprender a não gastar com um amor só, todo o bater do coração, queria não fazer minha a deixa "de tanto bater meu coração parou".


roman duris, em "de battre mon coeur s'est arreté",de jacques audiard.
cinema cidade do porto,2.ª feira,sala quase cheia.