09 fevereiro 2005

“maybe you' ll be there”

compreendo sempre tudo - que tenha sono, que esteja cansado, que esteja farto, que tenha pressa, que outros o chamem e que não lhe apeteça responder mas ainda assim vá. compreendo também que à sua vontade nem sempre responda o seu corpo e a sua alma. e depois compreendo ainda que a sua vida esteja sempre muito cheia ou muito vazia e que eu não caiba lá dentro ou a encha demais.

há pouco menti-lhe, quando lhe disse que fazia por estar bem. e depois calei-me, quando me disse,como que a compensar meia dúzia de respostas tortas dadas numa tarde, que gostava muito de mim. maneira desastrada de gostar.tanto mais,quando o elefante da história sou eu.

contrario-me e não vou deixar mais um recado no mordomo do seu telefone.vou fazer como fazem todas as outras pessoas, sempre mais espertas que eu : vou ficar quietinha e calada, a ver se você sai do seu canto cómodo, da sua poltrona refastelada, do seu carrinho de feira, da sua secretária onde pousa cotovelos, garrafas de água e jornais. a ver se você vem ao meu encontro, a ver se você toma consciência de que tem de andar, já nem digo sequer correr, de que você tem de me ouvir e não apenas falar, de que você tem de perguntar em vez de preguiçosamente responder.

é pesada a canga deste carro de bois.não o puxo mais sózinha,resolvi.

mas, logo, no mesmo soluçar, percebi que é por isto que terminam as coisas bonitas – por depois da exaustão da subida solitária da ladeira, que se exibe tão mais íngreme do que prometia nas primeiras curvas do caminho, se ceder à tristeza de não estar lá ninguém,a querer ouvir as suas belezas e arguras.

deve ter sido por isso, por não querer que as coisas bonitas terminem por falta de mais um esforço meu, só mais este, que decidi ir recolher da estante da livraria virada para os clérigos, o segundo exemplar do livro que me apontaram insistentemente e que me explicou que nem sempre a coragem acompanha coração. depois, deposito-o no seu colo, assim que pouse o copo de água que lhe mate a sede. e então comentarei : “Sabe?, há livros que salvam amizades.”

“Maybe you’ll be there” ressoa na minha cabeça.


"o tecido do outono", de alçada baptista.