18 dezembro 2017

uma roda gigante a girar, uma vida perdida a sonhar

fui ontem ver este filme.
há uma roda gigante, que alude à roda da fortuna e do azar.
há um rapaz pirómano que deita fogo à sala de espera da psiquiatra e a um monte de madeira à beira do mar, como se assim encontrasse na luz e no calor do fogo o colo que lhe falta, o farol que o levasse na tempestade. este ganapo surripia dinheiro para ir ao cinema, baldando-se às aulas, tendo certamente noção que, no cinema, se aprende mais.
há um homem que gosta de pescar e que recebe em casa a filha casada com um gangster na sua melhor juventude e em fuga pela sua vida.
há um salva-vidas que quer ser dramaturgo e que bebe nas vidas dramáticas das pessoas à sua volta a inspiração para o que há-de escrever quando for grande (e certamente nunca será). não salva a vida de ninguém, e até talvez seja o responsável da perda de duas delas, embora queira persuadir esta mulher que foi a sua intervenção que fez com que todos perdessem.
não vi todos os filmes de kate winslet. mas todos os que vi percebi que é alguém que sabe estar na sua pele e, por isso, na pele de todos os personagens que lhe confiam. a dada altura, soou na minha cabeça a música de Cartola, " a vida é um moinho", ao ver aquela roda gigante a dar mais uma volta. vim para casa pelo caminho mais longo, com jorge de sena a par : "divindades não há nenhumas, só o amor governa o mundo". e a falta dele, a sua perda, ou a desistência. Ginny é a mulher que é deixada e que, por isso, se deixa ficar. toda a tristeza do mundo cabe no último plano da sua cara, que oscilou entre a cor de fogo e o cinzento escuro ao longo do filme, e que termina com os cabelos ruivos perturbados pelo vento e com um olhar sem cor. minutos antes, numa cena corrosiva, diz as deixas que não parecem suas, a um rapaz que já não é seu (nunca foi, mesmo tendo-lhe dado um relógio para que medisse o seu tempo e tivesse a noção do tempo da espera). tantos filmes num só. no fim, recusa ao marido ir pescar no dia seguinte, não cedendo a uma coisa que não quer. mas deixa-se ficar no mesmo sítio. e a roda gira, a vida vai.

https://cinecartaz.publico.pt/Critica/379122_roda-gigante?cid=26510