18 janeiro 2011

para não perder o que nos faz falta, é guardar no coração

discutíamos tudo, voltados ao Tejo, até aquele grande plano que transformara, insistia, "um lameiro num jardim". os nossos almoços começavam ao meio-dia e acabavam ao lanche. trocávamos livros (trazia-lhe livros, veleidade minha), evocava memórias, listava conselhos.guardo todos, especialmente um em que me sublinhava, amiúde, que "não há decisão nenhuma que não se possa tomar numa noite atravessada em branco sentado ao relento numa varanda." na altura, ainda se podia fumar nos restaurantes e ainda não tinha chegado o primeiro dos três cafés com que fechávamos o almoço e já havia no ar o odor dos charutos cohiba. durante anos, mesmo até depois da sua ida, o seu nome ficou gravado na agenda do meu telefone com o nome "Jota Cohiba". e mesmo depois de se ter ido embora, olhava para o relógio às cinco da tarde, hora em que volta não volta chamava por mim e perguntava : "que andas tu a fazer, rapariga? ao menos, escreve, escreve." há dias, cruzei-me com um livro de Inês Pedrosa que lhe dera e que olhara com desconfiança, "fazes-me falta". nele evoca-se uma frase inscrita numa parede num café no centro de Paris, que advertia "dieu est un fumeur de havanes." acontece-me ir na rua e sentir o cheiro dos charutos cohiba ou das cigarrilhas mini-bronco. volto-me e não está lá ninguém; sorrio-me, ainda assim.