21 julho 2006

era mesmo assim

é sexta-feira outra vez.ainda ressoa em mim o filme da semana passada.quase que tenho medo de ir ver outro que, à beira daquele,soará sempre a amargo.

há um homem que tenta libertar-se um quadro com a fotografia de um pássaro num galho de uma árvore, porque terá a visita de uma mulher em casa daí a nada.o quadro tocara-lhe numa partilha anterior, e julga precisar deixar de o ter consigo. corre de um lado para o outro como uma barata tonta. tenta esconder o quadro no jardim, entre os arbustos,quando a mulher chega,como sempre, antes do tempo, e o surpreende com o quadro na mão.pergunta-lhe se anda à procura de um sítio para o pendurar.este quadro surgira logo logo na abertura do filme, o que fez suspeitar que estaria para acabar. como se afinal o filme todo fosse sobre isso, sobre o encontrar-se um sítio certo para se pousar um quadro e a pessoa certa que soubesse olhar conosco para ele.a mulher resolve-lhe o drama,sugere-lhe que pendure o quadro na árvore,se calhar não o devia esconder,antes mostrar. e quando o nivelam, como se o chão fosse rodapé e o céu o tecto,o quadro segura-se na árvore, afinal, não é o quadro é o pássaro, pendurado do lado de fora da porta, é como se assim o libertassem da gaiola,da moldura,de tudo em volta.como se o deixassem ser o que é, mesmo na fotografia.

enquanto a mulher assiste o homem que pendura o quadro,depois de ter escolhido o ramo da árvore em que o fará,envolve-o num abraço,rodeia-o como num casulo,segura-lhe as mãos e pousa a cabeça no ombro dele,ampara-o pelo lado de fora,mas sabe que é assim que entra pela pele adentro.e foi assim que souberam ambos.

era mesmo assim,como nos filmes.foi mesmo assim.acenderam as luzes,a fita acabara.levantei-me e saí,mas parecia que queria ficar ali para sempre.


"eu,tu e todas as pessoas que conhecemos",de miranda july.
carlos martins e sinfonieta de lisboa,"a primeira estrela" e "fado árabe".