03 julho 2008

resoluções de ano novo

I must have been almost crazy
to start out alone like that on my bicycle

pedalling into the tropics carrying
a medicine for which no one had found
the disease and hoping
I would make it in time

I passed through a paper village under glass
where the explorers first found
silence and taught it to speak
where old man were sitting in front
of their houses killing sand without mercy

brothers I shouted to them
tell me who moved the river
where can I find a good place to drown

richard shelton


apanhar uma bicicleta para largar a descer avenida da boavista abaixo, com os pés soltos dos pedais (como ainda não cheguei a aprender mas não tarda). deixar de querer encontrar soluções para problemas que ainda não existem e para outros que não vão deixar de existir, escreva o que escrever. "não há-de ser nada, pois não?"ansiar que descubram agora o remédio que trate quem quero bem e este chegar a tempo. ter vergonha por querer que todos durem mais um dia e mais outro e saber que fora eu nesta luta, já me tinha ido há muito. saber estar calada, mesmo quando me ocorrem muitas coisas sobre as areias dos castelos desfeitos que perpassam os dedos redondos. não chorar por me esquecer da ideia que ia escrever, rir-me por não saber onde está o papel onde a escrevi. sentar-me na beirinha dos muros que delimitam os rios, com os calcanhares a baterem alternadamente contra a parede, correr à margem sem medo de cair. mudar o curso dos rios nuns dias e depois querer que fiquem quietos e que ninguém se vá embora nem já nem depois. descer escadas sem corrimão sem receio de cair, a olhar em frente e sem cuidar de saber se falta um degrau ou outro. assomar ao cume dos montes cobertos de árvores à séria e de outras de metal e em ambas ouvir o vento e as vozes todas e as lengalengas da infância e os poemas sabidos de cor, as linhas escritas com fios subtraídos ao coração. fita-cola, tesoura, papel, pioneses, caixas vazias de cigarrilhas, e lá dentro uma fotografia roubada e um poema emprestado em cada caixa e uma caixa para cada amigo. o cheiro da comida da mãe, o levantar do auscultador do telefone e saber que quem o faz assim é o pai e daí nada, pausadamente,"então, camarada?" e querer estes cheiros, estas vozes e esta gente assim, para sempre, como prenda de anos. fotografar, escrever, dar a ler, pedir que escrevam, que fotografem, que nos dêem a ler. encher cadernos de motes e de desenhos e depois não os enfiar na gaveta.vestir todos os dias os pés, as orelhas, o olhar, como se fosse dia de festa. dormir à noite como se adiantasse sonhar que bom,bom mesmo, vai ser o dia seguinte, pode ser que seja amanhã que oiço "hoje é o dia!". regar vasos e esperar o cheiro das flores dentro de casa, os pássaros no pátio. sorrir a estranhos e fazer caretas às crianças quando os outros não estejam a ver. decidir deixar de só reescrever as linhas dos outros e ganhar a coragem de falhar (em grande) escrever as minhas.sobrevoar o país em balão, alegando que é trabalho e fazer fotografias para não ter medo das alturas. nadar mariposa. escrever com a mão esquerda também no papel. escrever todos os dias, reescrever todas as noites. saber a resposta à pergunta da cara bonita da publicidade no relojoeiro perto da fnac, "what are you made of?" aprender a desafinar menos um bocadinho.conduzir mais devagar.correr mais depressa e por mais tempo.

e fazer tudo isto e tudo o mais que me proponham, trazendo no ombro, à séria e a sorrir ou a avisar, ou já a doer, apenas por dentro, todos aqueles que me fazem boa diferença, a quem agradeço o estarem aqui a fazer a festa, todos os dias, de uns anos para os outros.


"as folhas novas mudam de côr", antónio pinho vargas.