05 novembro 2007

25.ª hora

"quem não sabe para onde vai, vai sempre muito longe", surripei de um livro qualquer ou de uma conversa antiga. talvez seja mesmo assim : quando todos os caminhos podem servir para chegar a todo o lado e a lado nenhum, nenhum caminho se recusa, por mais inóspito que se apresente. talvez seja assim porque pés sem destino nunca se cansam, do cansaço só queixam quando sabem quanto ainda têm para andar."ainda falta muito?"tal como o choro não se chora pelo que ficou, mas pelo que não há-de vir mais.diziam-me no fim-de-semana, "quem andou não tem para andar", como se houvesse um limite de passos a dar ou se como se a dada altura não houvesse mais chão debaixo dos pés, tudo fosse vazio e solidão,como se acabasse a força, apesar de continuar o chão. mas é quando não tenho mais força sequer para pestanejar e abrir os olhos outra vez, quando já nem leio o que escrevo, seja aqui, seja no caderno esgotado,que ando, ando muito, ando quase corro, ando tão deprresa que quero ver as imagens dos outros à esquerda e à direita até já desfocadas, de tão depressa que vou, para não ver ninguém, para que não me vejam a mim, andar tão depressa que parece que nem passei daqui para ali o fundo da rua, até ao fundo de mim, para que não me vejam a andar lesta, o coração a bater tão de depressa que ouvem do lado de fora de mim, daqui tão depressa que já só páro outra vez na serra da cabreira, aquelas pás dos moinhos sem grão a girarem depressa, a fazerem barulho que chegue para não me ouvir pensar por que razão todos se vão embora daqui, por que sonham todos em acordar noutra fronteira, por que não têm medo de pensar e escrever todo o dia noutra língua, por que têm todos os outros tanta coragem para partir, quando eu até temo mudar de casa para meia dúzia de quarteirões acima, mais perto até dos cafés bonitos, das livrarias acolhedoras, do rio cor de prata, das avenidas com fumo de castanhas. tomara eu ter um décimo da coragem,tomara eu não saber para onde vou. seja como for, aqui estarei, de braços abertos, para receber quem regresse,ainda que transitoriamente, em dias crescidos, com 25 horas.


"história trágica com final feliz" de regina pessoa.http://www.ciclopefilmes.com/filmes/historia-tragica-com-final-feliz/filme/sinopse/ "25th hour",bso de terence blanchard para spike lee,vindo do menino com os olhos verdes mais bonitos que conheço. serra da cabreira em dia de sol.