11 dezembro 2014

"acima das nossas possibilidades"

acabei de ver este filme.lembra-me o tanto que trago por fazer, como virar algumas mesas e parte de um país do avesso,ainda que só no papel.envergonha-me,por estar ainda onde estou, na bancada, a escrever no conforto.
lembra-me o "ruínas"de manuel mozos, com o acréscimo que as ruínas aqui,mais ainda que as das casas, serem as das pessoas, como que construções que se esboroam : são pessoas em cacos,que caíram "pelas escadas excessivamente abaixo", empurradas pelos donos de tu...do isto, pelos que mandam nisto tudo, pelos que se estão nas tintas para esta gente tão invisível, não fora este filme.
a dada altura, este homem que vemos de costas nesta fotografia, fala de um futuro que vê cada vez mais negro. numa outra imagem, a voz de um rapaz com cerca de metade da minha idade fala dos transportes que usa sem pagar para conseguir cumprir os tratamentos para a tuberculose.diz que já não tem sonhos, mas que leva os dias um de cada vez, que "a dada altura uma pessoa habitua-se."
talvez este filme devesse ser projectado em loop numa sala, onde meia dúzia de pessoas que cá sei estariam sentadas sem dela conseguirem sair, a terem um bocadinho de realidade a entrar-lhes pelos olhos adentro. pesar-lhes-ia quando fossem escrever mais uma assinaturazinha num despachozinho cortante?talvez pudesse ser enviado pelo correio para alguns senhores que dizem que tudo passa, que não doeu nadinha de nada, que estamos todos bem. apesar de tudo, eu estou bem e vejo este filme e tenho vergonha por estar ainda longe de isto tudo, porque sou uma mulher cheia de sorte, a quem nunca faltou o trabalho, a família, os amigos e um abrigo. mas é muito ténue a linha que nos separa.o que custou a entrada na sessão de hoje era preço que nenhuma daquelas pessoas podia pagar, e talvez até algumas delas nunca tenham entrado numa sala de cinema na sua vida.mas entram nas nossas vidas pela mão do cinema e resta-me agradecer aqui ao Projecto Troika por isto. é um lento e doloroso retrato falado e em movimento, numa plasticidade inédita no que tenho visto, que termina abruptamente, precisamente talvez para que sintamos o que é, de repente, deixarmos de ter chão de debaixo dos pés, ou haver uma luz que se apaga, ter sido mais um que se foi, por viver acima das suas possibilidades.

 



No Dia Internacional dos Direitos Humanos, o festival exibe dois retratos do país real em que vivemos: Dreamocracy e Acima das Nossas Possibilidades.
publico.pt



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